Estudo Preliminar de Violência contra as Mulheres Trans e Travestis

O Instituto de Pesquisa DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, monitora a violência doméstica e familiar contra a mulher bienalmente desde 2005. Em sua décima edição realizada em 2023, pela primeira vez, a pesquisa identificou e ouviu mulheres trans e travestis1.

A pesquisa com mulheres cis2 foi lançada em novembro de 2023 e trouxe dados quantitativos com inferências válidas para a população feminina brasileira como um todo. Isso foi possível devido à existência de dados estatísticos oficiais sobre essa população, imprescindíveis para a etapa inicial de delineamento amostral e para a etapa final de ponderação e expansão dos resultados.

Tal análise não é possível em relação a população de mulheres trans e travestis devido à carência de dados estáveis do governo que permitam a calibração das estimativas para inferências estatisticamente válidas. Dessa forma, o presente estudo tem caráter exploratório e qualitativo a respeito da percepção dessas pessoas sobre violência doméstica e sobre a vivência delas em relação às agressões sofridas. Os resultados aqui apresentados, portanto, não são válidos para toda a população de mulheres trans e travestis do país.

Dos dias 21 de agosto a 25 de setembro de 2023, 21 brasileiras trans e travestis, com 16 anos de idade ou mais, foram entrevistadas por telefone. O contato foi feito por meio de discagem de números de telefones aleatórios3.

Como foi feita a pesquisa

Desde 2005, as pesquisas do DataSenado têm sido conduzidas com mulheres, oferecendo uma análise abrangente de suas opiniões e necessidades. No entanto, a partir de 2015, foram identificados os primeiros pedidos de mulheres trans para participarem também. Essa demanda por inclusão tornou-se evidente durante auditorias realizadas, ressaltando a importância de ampliar as pesquisas para abranger uma variedade mais ampla de perspectivas e experiências.

A pesquisa de violência doméstica contra as mulheres trans e travestis teve caráter exploratório, em uma tentativa de compreender o fenômeno da violência doméstica de maneira mais ampla e de traçar estratégias para pesquisas futuras com essa parcela da população que, muitas vezes, é invisibilizada. Ademais, incluir as mulheres trans e as travestis na pesquisa de violência doméstica vai ao encontro da jurisprudência que consolida o entendimento de que a Lei Maria da Penha é aplicável em casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres trans4.

As participantes foram identificadas por meio de perguntas-chave, conforme listadas no Quadro 1.

Quadro 1 - Perguntas-chave para marcação da identidade de gênero

P00 Qual o seu sexo?

1

Feminino

Você concorda em participar da pesquisa?

2

Masculino

Neste telefone consigo falar com alguma mulher com 16 anos ou mais?

P01 Apenas confirmando, ao nascer você foi registrada como do sexo feminino?

1

Sim

Seguir para questionário

2

Não

Ir para P06

P06 Você foi registrada como homem, mas se identifica hoje em dia como mulher?

1

Sim

Seguir para questionário

2

Não

Encerrar a ligação

O questionário começava com a pergunta sobre o sexo da respondente, questão normalmente evitada em pesquisas por telefone5. Quando a pessoa se identificava como sendo do sexo feminino, havia uma pergunta de confirmação: “Apenas confirmando, ao nascer você foi registrada como do sexo feminino?”. Para aquelas que respondiam “não”, uma nova pergunta era apresentada: “Você foi registrada como homem, mas se identifica hoje em dia como mulher?”. A partir dessa terceira confirmação, a designação de mulher trans ou de travesti era registrada na base de dados. Importante notar que o questionário aplicado foi o mesmo tanto para as mulheres cis, quanto para as mulheres trans e travestis.

Para garantir a qualidade dos dados, via de regra, 20% das entrevistas são auditadas pelo DataSenado. Contudo, nesse estudo específico, todas as entrevistas que, na base de dados, foram marcadas como sendo com mulheres trans e travestis foram auditadas. Ao longo das auditorias, seis entrevistas foram identificadas como sendo, na verdade, com mulheres cis. Essas correções foram necessárias, pois as entrevistadas foram registradas como do sexo masculino ao nascerem por erro de cartório e não pelas suas características biológicas. De acordo com essas mulheres, o nome escolhido pelos pais parecia um nome masculino e, por isso, o cartório registrou como tal.

Outras sete entrevistadas foram identificadas como mulheres trans por erro das entrevistadoras. Nos seis primeiros casos, uma vez corrigidos os erros de marcação, as entrevistas foram validadas e alocadas como parte da pesquisa amostral com mulheres cis. O sétimo caso, contudo, teve de ser invalidado. A entrevistadora confundiu identidade de gênero com orientação sexual e não confirmou o gênero da pessoa entrevistada.

   

Entrevistadora: “Nesse telefone eu consigo falar com alguma mulher de 16 anos ou mais?”

Respondente: “Não, mulher… na minha casa todo mundo é gay, eu sou gay, meu marido é gay, todo mundo é gay6…”

Entrevistadora: “Você é trans ou o senhor está brincando comigo?”

Respondente: “Não… estou falando sério…”

   

Como homens, independente da orientação sexual, não faziam parte da população-alvo da pesquisa, a entrevista foi invalidada. Por fim, outra entrevista corrigida na base de dados foi com uma mulher cis que, ao se ofender com a pergunta sobre sexo (Vide P00 do Quadro 1), respondeu de maneira nitidamente irônica a pergunta sobre o registro ao nascer (Vide P01 do Quadro 1). Nesse caso, a entrevista foi realocada para a pesquisa amostral com mulheres cis.

Parte das dificuldades encontradas nessa etapa da pesquisa é explicada pela desinformação e pela incompreensão sobre a diversidade de gênero e sexualidade. A importância de estudos como esse, portanto, é aumentar a discussão em torno do respeito à alteridade, dar visibilidade a grupos historicamente marginalizados, politicamente minoritários, e trazer conteúdo informativo, educativo e comprometido com a promoção e a defesa dos direitos humanos de todas as pessoas.

1. A identidade da mulher trans, de travestis e suas percepções sobre desigualdade de gênero

Conforme descrito no Guia de Inclusão e diversidade LGBTQIA+, produzido pelo Comitê Permanente pela Promoção da Igualdade de Gênero e Raça do Senado Federal, a mulher trans é uma pessoa que nasceu e passou parte da vida sendo identificada como do gênero masculino, principalmente por suas características biológicas, mas que se identifica como do gênero feminino. As travestis, por sua vez, se autoafirmam, na maioria das vezes, por meio desta identidade política, e são pessoas que nascem e são designadas, compulsoriamente em geral, pelo olhar médico como meninos, passando parte das suas vidas nesse contexto, mas que se autoidentificam como do gênero feminino.

A questão da identidade é importante para todo o ser humano e, como tal, reforçada na apresentação individual. Logo na primeira pergunta – Qual o seu sexo? – boa parte das entrevistadas já se apresentam:

   

“Sou travesti.” – 23 anos, Ceará.

“Sou mulher trans.” – 53 anos, Mato Grosso do Sul.

“Eu sou uma pessoa trans.” – 22 anos, Ceará.

“Eu me identifico como mulher.” – 30 anos, Acre.

“Eu sou trans.” – 19 anos, Amapá.

   

Por questões metodológicas, a pergunta foi repetida e as respondentes convidadas a se declararem como pertencentes ao sexo feminino ou masculino. Apenas as que se autodeclararam como sendo do sexo feminino e que afirmaram ter 16 anos ou mais responderam o questionário.

Pelas falas das entrevistadas, ao longo da pesquisa, percebe-se que identidade de gênero é uma experiência ao mesmo tempo interna, por ser a forma como o indivíduo se enxerga enquanto pessoa, mas também coletiva, por causa do referencial social:

   

“Papai ele não sabia o que eu sentia… Então ele me registrou como do sexo masculino” – 24 anos, Sergipe.


Entrevistadora: “Você foi registrada como homem, mas se identifica hoje em dia como mulher?”

Respondente: “Sim… desde que me entendo…” – 53 anos, Mato Grosso do Sul.

   

Por ter um caráter exploratório, o presente estudo não permite extrapolar seus resultados para a população de mulheres brasileiras trans e de travestis como um todo. Os achados aqui apresentados, portanto, têm caráter qualitativo e não quantitativo. O objetivo é potencializar as vozes dessas pessoas e aperfeiçoar a pesquisa, incluindo a perspectiva delas no estudo.

Ao serem perguntadas “Onde você acha que as mulheres são menos respeitadas?”, as opiniões se dividiram: 11 responderam “na rua”, oito “na família”, uma “no trabalho” e uma preferiu não responder, pois segundo ela:

   

“Essa pergunta é relativa… Eu acho que o respeito a gente não tem que esperar de outras pessoas. O respeito tem que vir da gente. Se a gente se dá o respeito, as pessoas vão ter que respeitar a gente. Então a resposta não é tão objetiva.” – 36 anos, Bahia.

   

Dentre as mulheres que responderam na família, uma declarou:

   

“Eu acho que desrespeito acontece em todos os lugares, fica difícil dizer onde é mais, onde é menos… Eu acho que na família que é onde acontece mais repressão.” – 52 anos, Piauí.

   

Na questão sobre machismo7, 13 participantes responderam que consideram o Brasil “muito machista”, sete “pouco machista” e uma “nada machista”, em proporção semelhante com a encontrada nas entrevistas com mulheres cis. É importante notar, contudo, que além do machismo, as mulheres trans e as travestis também podem sofrer com transfobia8. Nesse sentido, o questionário pode ser aperfeiçoado e contemplar perguntas específicas para abordar essas questões enfrentadas pelas mulheres trans, travestis, lésbicas e bissexuais.

Em relação à violência doméstica, a maior parte das participantes da pesquisa acredita que esta aumentou nos últimos 12 meses9 e que as vítimas não denunciam ou que denunciam na minoria das vezes10. Dentre as 21 participantes, 16 declaram que alguma amiga, familiar ou conhecida sofreu esse tipo de violência, sendo que a tipificação da violência com maior recorrência nos relatos foi a agressão física.

Tipo de violência sofrida pela pessoa conhecida - Respondentes Trans e Travestis

Frequência

Física

16

Moral

11

Psicológica

10

Patrimonial

5

Sexual

4

Fonte: Instituto de Pesquisa DataSenado - coleta de 21.8 a 25.9.2023
Notas:
(1) Os resultados apresentados não são válidos para toda a população de Mulheres Trans e Travestis e representam apenas a opinião das entrevistadas.
(2) Questão respondida por quem declarou ter amiga, familiar ou conhecida que tenha sofrido algum tipo de violência doméstica ou familiar.
(3) Questão de múltipla escolha, ou seja, a entrevistada poderia escolher mais de uma opção de resposta.

2. Os instrumentos de proteção às mulheres

A Lei Maria da Penha (Lei n°11.340∕2006) é um marco no sistema jurídico brasileiro, já que, até sua promulgação, não existia no país uma lei específica sobre violência doméstica. Ao contrário, até então os casos de agressão familiar eram enquadrados como pequenas causas.11 Em julgamento de recurso especial encaminhado pelo Ministério Público, representando o caso de Luana Fernandes, o colegiado do STJ decidiu por unanimidade em 2022 que a Lei Maria da Penha é aplicável em casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres trans12. Uma conquista importante na defesa e proteção dessas brasileiras.

Outra iniciativa importante para mulheres cis e trans foi a emenda que alterou o artigo 19 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), decretada em abril de 2023. A emenda teve como propósito dar maior efetividade à aplicação das Medidas Protetivas de Urgência ao determinar que sejam implementadas independentemente de registro de boletim de ocorrência, de inquérito policial e do ajuizamento de qualquer ação.

De acordo com o estudo feito pelo DataSenado, das 21 mulheres trans e travestis entrevistadas, seis declaram conhecer “muito” sobre a Lei Maria da Penha, 12 “pouco” e três afirmam conhecer “nada” sobre a lei. Sobre a percepção de eficácia da lei, dez acreditam que a Lei Maria da Penha protege as mulheres contra a violência doméstica e familiar, seis acreditam que a lei as protege apenas em parte e cinco que ela não protege.

Em relação às medidas protetivas, seis entrevistadas afirmam conhecer “muito”, 13 “pouco” e duas declaram não conhecer “nada” sobre esse importante instrumento de proteção.

   

“Minha tia tem medida protetiva por causa de uma ameaça que ela estava sofrendo.” – 16 anos, Roraima.

“Conheço pouco sobre medida protetiva. Mas nunca é eficaz.” – 24 anos, Sergipe.

   

Por fim, em relação ao grau de conhecimento sobre os serviços que integram a rede de proteção às mulheres, 19 afirmam conhecer ou já ter ouvido falar da delegacia da mulher, 17 do Ligue 180, 20 da Defensoria Pública, 17 dos serviços de Assistência Social como CRAS e CREAS, 11 da Casa Abrigo e dez da Casa da Mulher Brasileira. Dentre as entrevistadas que conheciam os serviços de Assistência Social, uma disse já ter frequentado um dos grupos de mulheres promovidos pelo CRAS.

As entrevistadas foram perguntadas se conheciam outros serviços de proteção às mulheres e, das 21 participantes, 18 afirmaram que não. Das três que afirmaram conhecer, duas fizeram observações válidas de nota:

   

“O 190… e eu me protejo com faca, copo, panela, o que for.” – 19 anos, Mato Grosso.

“Só o da nossa rua… Denúncia de vizinhos.” – 24 anos, Sergipe.

   

3. A experiência de quem sofreu violência doméstica

Nove das 21 entrevistadas afirmaram já terem sofrido violência doméstica ou familiar em algum momento da vida e todas essas declararam terem sido agredidas por um homem. Destas, cinco confirmaram que essas agressões ocorreram nos últimos 12 meses, sendo que uma delas fala que o último episódio ocorreu no dia anterior ao da entrevista:

   

“Ontem.” – 24 anos, Sergipe.

   

Todas as nove mulheres agredidas sofreram violência física, sendo que oito delas relatam episódios de violência psicológica; sete, moral; quatro, violência sexual e duas, violência patrimonial.

Violência sofrida - Respondentes Trans e Travestis

Tipo de violência

A violência ocorreu nos últimos 12 meses

Física

Sexual

Psicológica

Patrimonial

Moral

Entrevistada 1

X

X

X

X

Entrevistada 2

X

X

X

X

X

Entrevistada 3

X

X

X

X

X

X

Entrevistada 4

X

X

X

X

X

X

Entrevistada 5

X

X

X

Entrevistada 6

X

Entrevistada 7

X

X

X

X

Entrevistada 8

X

X

X

Entrevistada 9

X

X

X

Total

9

4

8

2

7

5

Fonte: Instituto de Pesquisa DataSenado - coleta de 21.8 a 25.9.2023
Notas:
(1) Os resultados apresentados não são válidos para toda a população de Mulheres Trans e Travestis e representam apenas a opinião das entrevistadas.
(2) Foi realizado um recorte considerando, dentre as 21 mulheres entrevistadas, apenas as que declararam ter sofrido algum tipo de violência doméstica ou familiar.

As participantes relatam diversos vínculos com esses agressores: marido, parente próximo, namorado, cunhado, companheiro, entre outros… E sobre a origem da agressão uma das entrevistadas desabafa:

   

“Algum motivo pessoal, preconceito, alguma coisa do tipo… Eu não sei nem explicar… Eu acho que é cisma… Provocação, para provocar…” – 52 anos, Piauí.

   

A pesquisa também buscou estudar agressões que, embora sofridas pelas mulheres, podem não ser prontamente reconhecidas como tais. Com esse objetivo, todas as entrevistadas, incluindo aquelas que não declararam ter sofrido violência doméstica ou familiar, foram apresentadas a uma lista de 13 situações de violência, como insultos e ameaças feitos por alguém de relação íntima ou familiar, e perguntadas se vivenciaram alguma delas nos últimos 12 meses. Nesse ponto da pesquisa, a questão da transfobia é relatada pelas participantes e a fala de uma delas resume o dano dessa violência sofrida:

   

Entrevistadora: “Nos últimos 12 meses, alguém de sua relação íntima ou familiar humilhou você diante de outras pessoas?”

Respondente: “Isso é normal.”

Entrevistadora: Fez falsas acusações sobre você?

Respondente: “me chamou de homem, mas isso é normal. É uma falsa acusação porque me vejo como mulher.”

19 anos, Mato Grosso

   

Essa mesma participante sofreu violência patrimonial ao ter seu “mega hair” danificado, objeto fortemente conectado com a sua identidade de gênero.

A pesquisa também investigou a diferença entre a percepção sobre a violência vivida e a violência declarada. Percebe-se que, dentre as 16 mulheres que não afirmam terem sofrido violência nos últimos 12 meses, sete delas confirmam terem passado por pelo menos uma das 13 situações listadas pela pesquisa, nos últimos doze meses.

Violência sofrida e violência vivida - Respondentes Trans e Travestis

Declarou ter sofrido violência

A violência ocorreu nos últimos 12 meses

Vivenciou alguma situação nos últimos 12 meses

Entrevistada 1

X

X

X

Entrevistada 2

X

X

X

Entrevistada 3

X

X

X

Entrevistada 4

X

X

X

Entrevistada 5

X

X

X

Entrevistada 6

X

X

Entrevistada 7

X

Entrevistada 8

X

Entrevistada 9

X

Entrevistada 10

X

Entrevistada 11

X

Entrevistada 12

Entrevistada 13

Entrevistada 14

Entrevistada 15

X

Entrevistada 16

X

Entrevistada 17

X

Entrevistada 18

Entrevistada 19

X

Entrevistada 20

X

Entrevistada 21

Total

9

5

13

Fonte: Instituto de Pesquisa DataSenado - coleta de 21.8 a 25.9.2023
Notas:
(1) Os resultados apresentados não são válidos para toda a população de Mulheres Trans e Travestis e representam apenas a opinião das entrevistadas.
(2) A pergunta "Nos últimos 12 meses, alguém, de sua relação íntima ou familiar..." oferecia duas opções de resposta: "Sim" e "Não" para cada uma das 13 situações listadas na pesquisa. Nessa análise, foi verificada se houve pelo menos uma marcação "Sim" entre todas as situações listadas.

 

Distribuição de mulheres por declaração se sofreu violência doméstica em algum momento da vida e/ou se vivenciou, nos últimos 12 meses, alguma das 13 situações listadas na pesquisa - Respondentes Trans e Travestis

Frequência

Declarou e vivenciou

6

Declarou e não vivenciou

3

Não declarou e vivenciou

7

Não declarou e não vivenciou

5

Total

21

Fonte: Instituto de Pesquisa DataSenado - coleta de 21.8 a 25.9.2023
Notas:
(1) Os resultados apresentados não são válidos para toda a população de Mulheres Trans e Travestis e representam apenas a opinião das entrevistadas.
(2) Considera-se 'declarou' quem afirmou ter sofrido violência doméstica em algum momento da vida.
(3) Considera-se 'vivenciou' quem afirmou ter vivido, nos últimos 12 meses, pelo menos uma das 13 situações listadas na pesquisa.

4. Perfil

Distribuição da amostra observada por unidade da Federação e Região

Região

Unidade da Federação

Amostra observada

Mulheres Cis

Mulheres Trans e Travestis

Total

Norte

Acre

806

3

809

Amapá

806

2

808

Amazonas

800

1

801

Pará

810

0

810

Rondônia

810

0

810

Roraima

810

2

812

Tocantins

800

0

800

Nordeste

Alagoas

804

1

805

Bahia

808

1

809

Ceará

809

2

811

Maranhão

810

0

810

Paraíba

800

0

800

Pernambuco

802

0

802

Piauí

806

1

807

Rio Grande do Norte

807

0

807

Sergipe

809

1

810

Sudeste

Espírito Santo

809

0

809

Minas Gerais

807

1

808

Rio de Janeiro

809

1

810

São Paulo

800

1

801

Sul

Paraná

810

0

810

Rio Grande do Sul

810

1

811

Santa Catarina

810

0

810

Centro-Oeste

Distrito Federal

810

0

810

Goiás

807

0

807

Mato Grosso

808

1

809

Mato Grosso do Sul

810

2

812

Brasil

21.787

21

21.808

 

Distribuição de mulheres Trans e Travestis entrevistadas segundo Região e porte de município

Região

Porte do município

Total

Até 50 mil habitantes

Mais de 50 mil até 500 mil habitantes

Mais de 500 mil habitantes

Norte

0

7

1

8

Nordeste

1

2

2

5

Sudeste

1

1

1

3

Sul

1

0

0

1

Centro-Oeste

0

1

2

3

Brasil

3

11

6

20*

Fonte: Instituto de Pesquisa DataSenado - coleta de 21.8 a 25.9.2023
Notas:
*A soma total difere de 21 porque uma das entrevistadas não informou município válido conforme listado pelo IBGE.

 

Resumo dos aspectos sócio demográficos das entrevistadas

Idade

UF

Cor/raça

Escolaridade

Tipo de residência

Tipo de trabalho

Religião

Renda

1

20

AP

Parda

Médio incompleto

Rural

Procurando emprego

Sem religião ou crença

Abaixo de R$ 2.641,00

2

28

RJ

Branca

Fundamental completo

Urbana

Trabalha por conta própria ou em seu negócio

Evangélica

Abaixo de R$ 2.641,00

3

22

AP

Parda

Superior incompleto

Urbana

Trabalha para um empregador pessoa física sem carteira assinada

Sem religião ou crença

Acima de R$ 7.920,00

4

23

RR

Preta

Médio completo

Rural

Não trabalha

Sem religião ou crença

Abaixo de R$ 2.641,00

5

38

AC

Parda

Superior completo

Urbana

Trabalha no serviço militar

Cristã

Acima de R$ 7.920,00

6

16

RR

Parda

Não alfabetizada

Rural

Procurando emprego

Católica

NS/NR

7

30

AC

Amarela

Superior completo

Urbana

Trabalha para uma empresa ou instituição com carteira assinada

Outra religião

Acima de R$ 7.920,00

8

22

CE

Preta

Médio completo

Urbana

Trabalha para uma empresa ou instituição com carteira assinada

Sem religião ou crença

Abaixo de R$ 2.641,00

9

19

MG

Preta

Superior incompleto

Urbana

Trabalha para uma empresa ou instituição com carteira assinada

Católica

NR/NS

10

31

SP

Parda

Médio completo

Urbana

Procurando emprego

Espírita

Abaixo de R$ 2.641,00

11

53

MS

Parda

Fundamental completo

Urbana

Trabalha por conta própria ou em seu negócio

Espírita

Abaixo de R$ 2.641,00

12

17

AM

Preta

Superior incompleto

Rural

Trabalha por conta própria ou em seu negócio

Outra religião

Abaixo de R$ 2.641,00

13

23

CE

Parda

Médio incompleto

Urbana

Não trabalha

Outra religião

De R$ 2.641,00 a R$7.920,00

14

45

AC

Branca

Médio completo

Urbana

Não trabalha

Católica

NS/NR

15

30

MG

Preta

Superior incompleto

Urbana

Trabalha para uma empresa ou instituição com carteira assinada

Outra religião

De R$ 2.641,00 a R$7.920,00

16

24

SE

Parda

Superior incompleto

Rural

Trabalha por conta própria ou em seu negócio

Sem religião ou crença

Abaixo de R$ 2.641,00

17

36

BA

Preta

Superior completo

Urbana

Trabalha por conta própria ou em seu negócio (formal)

Evangélica

Acima de R$ 7.920,00

18

32

MS

Branca

Médio incompleto

Urbana

Trabalha por conta própria ou em seu negócio (formal)

NS/NR

NS/NR

19

35

RS

Branca

Médio incompleto

Urbana

Trabalha por conta própria ou em seu negócio

Outra religião

De R$ 2.641,00 a R$7.920,00

20

52

PI

Preta

Médio completo

Urbana

Procurando emprego

Católica

Abaixo de R$ 2.641,00

21

55

AL

Parda

Fundamental incompleto

Rural

Não trabalha

Evangélica

Abaixo de R$ 2.641,00

Fonte: Instituto de Pesquisa DataSenado - coleta de 21.8 a 25.9.2023
Notas:
(1) O Número da entrevistada deste quadro não tem relação com o número da entrevistada apresentada em Tabelas e Quadros anteriores.

5. A importância das estatísticas oficiais e dados estáveis

Uma pessoa trans tem a possibilidade de retificar a identidade de gênero em seu registro civil desde 2018 (vide Provimento 73/2018), mas infelizmente existe uma grande lacuna no que diz respeito a informações sobre a população LGBTQIA+ no Brasil. Iniciativas da sociedade civil tentam diminuir o vácuo de informações sobre essa parcela da população e o poder público começa a sinalizar melhorias nesse sentido, mas ainda há muito o que avançar no país.

Uma das principais iniciativas da sociedade civil em mapear pessoas trans e não-binárias no Brasil foi realizada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) em 2018. Por meio de pesquisa face a face com 6.000 pessoas em 129 municípios de todas as regiões do país, as/os pesquisadoras/es da Unesp estimaram que a proporção de pessoas adultas trans ou não-binárias na população brasileira era de cerca de 2%13.

Por parte do poder público, observam-se algumas sinalizações positivas. Em 2019, por exemplo, o IBGE realizou pesquisa sobre orientação sexual, mas o levantamento não incluiu identidade de gênero. Além disso, somente a/o responsável pelo domicílio respondeu, o que evidencia a subnotificação quando a/o respondente não acolhe as pessoas da sua família que se reconhecem com orientação sexual distinta da heterossexualidade e opta por não registrar o dado. A nova Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde, cuja coleta começou em outubro de 2023, pretende estimar o tamanho da população trans, travesti e não-binária no Brasil14. Em paralelo, no Senado Federal tramita o Projeto de Lei n° 420, de 2021 que dispõe sobre a “inclusão sobre orientação sexual e identidade de gênero nos questionários aplicados à população por ocasião do censo demográfico.”

Para fazer inferências válidas para a população estudada, estatísticas oficiais são fundamentais tanto para o delineamento amostral quanto para outros procedimentos estatísticos, tais como ponderação e cálculo de margem de erro. Isso porque, uma vez finalizada a coleta de dados, os resultados obtidos recebem pesos de acordo com o perfil das pessoas que compõem a amostra, em comparação com os dados disponíveis da população-alvo, com o objetivo de calibrar os resultados, para que expansões inferenciais sejam válidas. Só conhecendo a composição da população brasileira é possível calcular fatores como a probabilidade de seleção, a distribuição demográfica da população em estudo, entre outros dados fundamentais para garantir a qualidade e a fidedignidade da pesquisa.

A inexistência de dados oficiais sobre pessoas LGBTQIA+, em especial pessoas trans, e travestis para efeitos desta pesquisa, portanto, revela mais uma face da violência institucional: elas não estão nos dados atuais, embora existam alguns esforços no sentido de incluí-las, como o do IBGE e o presente estudo. Trata-se de violência porque suas vidas e vivências estão sendo desconsideradas pelo Estado que, contraditoriamente, por um lado, reconhece a sua identidade de gênero ao permitir a retificação do gênero em cartório, mas que, por outro, desqualifica a sua identidade no levantamento de dados.

6. Referências

COMITÊ PERMANENTE PELA PROMOÇÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO E RAÇA DO SENADO FEDERAL. Guia de Inclusão e Diversidade LGBTQIA+. Brasília, DF. 2023. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/611701. Acesso em 23/11/2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Pessoa trans pode alterar o nome e gênero em cartório. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/cnj-servico-pessoa-trans-pode-alterar-nome-e-genero-em-cartorio/#:~:text=A%20mudan%C3%A7a%20de%20nome%20e,ou%20casamento%20%C3%A0%20identidade%20autopercebida.. Acesso em 30/11/2023.

INSTITUTO MARIA DA PENHA. Lei Maria da Penha na íntegra e comentada. Disponível em https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/lei-maria-da-penha-na-integra-e-comentada.html. Acesso em 30/11/2023.

RÁDIO AGÊNCIA EBC. IBGE vai estimar tamanho da população trans e travesti no Brasil. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/direitos-humanos/audio/2023-10/ibge-vai-estimar-tamanho-da-populacao-trans-e-travesti-no-brasil. Acesso em 30/11/2023.

SPIZZIRRI, G., EUFRÁSIO, R., LIMA, M.C.P. ET AL. Proportion of people identified as transgender and non-binary gender in Brazil. Sci Rep 11, 2240 (2021). https://doi.org/10.1038/s41598-021-81411-4

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Aplicação da Lei Maria da Penha: A violência contra mulheres trans é tema do programa Último Recurso. Disponível em https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/27112023-Aplicacao-da-Lei-Maria-da-Penha-a-violencia-contra-mulheres-trans-e-tema-do-programa-Ultimo-Recurso.aspx. Acesso em 30/11/2023.

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Estudo pioneiro na América Latina mapeia adultos transgênero e não-binários no Brasil. Jornal da Unesp. Disponível em: https://jornal.unesp.br/2021/11/12/estudo-pioneiro-na-america-latina-mapeia-adultos-transgeneros-e-nao-binarios-no-brasil/. Acesso em 30/11/2023.

Notas de rodapé

  1. “Mulher transgênero é a pessoa que nasceu e passou parte da sua vida sendo identificada como homem e tratada no masculino, em especial, por conta de sua composição corporal. Contudo, ela se identifica como mulher e gostaria de ser tratada e reconhecida no feminino. “(Comitê Permanente pela Promoção da Igualdade de Gênero e Raça do Senado Federal, 2023, p. 23)↩︎

  2. “Mulher cisgênero é a pessoa que foi reconhecida no gênero feminino desde o nascimento e, ao longo de sua vida, segue se sentindo confortável com a sua identidade feminina.” (Idem, p. 37)↩︎

  3. Para saber mais sobre como os números aleatórios são gerados, vide Método da Pesquisa disponível no relatório da Pesquisa Nacional de Violência contra Mulher.↩︎

  4. Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/27112023-Aplicacao-da-Lei-Maria-da-Penha-a-violencia-contra-mulheres-trans-e-tema-do-programa-Ultimo-Recurso.aspx.↩︎

  5. Normalmente em pesquisas por telefone, a equipe de entrevistadoras/es é orientada a identificar, pela voz, o sexo da pessoa entrevistada. Em caso de dúvida, a orientação usual é perguntar o estado civil, já que a resposta, em geral, é flexionada no gênero feminino ou masculino: sou solteira, sou casado, sou viúva, etc.↩︎

  6. ”Gays: homens que sentem atração afetiva e/ou sexual por outros homens… Transgêneros: termo ‘guarda-chuva’ que compreende o conjunto de pessoas que se identificam com uma identidade de gênero diferente daquela que lhe foi atribuída ao nascimento” (Comitê Permanente pela Promoção da Igualdade de Gênero e Raça do Senado Federal, 2023, pp. 12-13)↩︎

  7. “De forma geral, você considera o Brasil um país: muito machista, pouco machista ou nada machista?”↩︎

  8. “Transfobia: termo para se referir ao ódio, ao preconceito e as violências contra indivíduos transgênero. Condutas discriminatórias que ocorrem pelo fato de a vítima ser uma pessoa trans (Comitê Permanente pela Promoção da Igualdade de Gênero e Raça do Senado Federal, 2023, pp. 46-47)↩︎

  9. “Para você, nos últimos 12 meses, a violência doméstica e familiar contra as mulheres: aumentou, diminuiu ou permaneceu igual?”. Das 21 mulheres trans, e travestis entrevistadas, 13 disseram que aumentou, uma que diminuiu e seis que permaneceu igual.↩︎

  10. “Em sua opinião, as mulheres que sofrem agressão denunciam o fato às autoridades: Sempre, na maioria das vezes, na minoria das vezes ou não denunciam”. Das 21 mulheres transgênero entrevistadas, uma respondeu “na maioria das vezes”, dez responderam “na minoria das vezes”, oito responderam “não denunciam” e duas “sempre”.↩︎

  11. Fonte: https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/lei-maria-da-penha-na-integra-e-comentada.html.↩︎

  12. Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/27112023-Aplicacao-da-Lei-Maria-da-Penha-a-violencia-contra-mulheres-trans-e-tema-do-programa-Ultimo-Recurso.aspx.↩︎

  13. Fonte: https://jornal.unesp.br/2021/11/12/estudo-pioneiro-na-america-latina-mapeia-adultos-transgeneros-e-nao-binarios-no-brasil/↩︎

  14. Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/direitos-humanos/audio/2023-10/ibge-vai-estimar-tamanho-da-populacao-trans-e-travesti-no-brasil↩︎