Título: Quadriga desigual
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2005, Economia, p. B2

Ontem, a Organização Mundial do Comércio (OMC), a instituição que cuida das regras do comércio mundial, divulgou seu relatório do ano passado que, entre outras coisas, mostra onde está o ouro. A tabela ao lado não é apenas um espaço enfeitado com números. É o mapa da mina: aponta para onde deveriam concentrar-se os esforços exportadores do Brasil. Mostra, por exemplo, que Estados Unidos, União Européia, Japão e China são responsáveis por nada menos que 68,7% das importações globais de mercadorias. No ano passado, as importações mundiais foram de US$ 9,2 trilhões. Para este ano, os economistas da OMC prevêem um crescimento do comércio exterior de 6,5%. Se isso se confirmar, o mercado mundial equivalerá a US$ 9,8 trilhões. Apesar do forte crescimento das nossas exportações, desse bolo o Brasil terá uma fatia quase insignificante, que mal passará de 1,0%.

É claro que a garimpagem é uma atividade defensável. Mas a prioridade da corrida ao ouro deveria ser os mercados que mais compram. Há dois dias, o diretor de Relações Internacionais da Fiesp, Roberto Gianetti da Fonseca, voltou a criticar a diplomacia brasileira que, em vez de concentrar-se no acesso aos mercados que de fato contam, prefere investir em objetivos geopolíticos. O Brasil quer liderar a América do Sul e os países pobres da África que, do ponto de vista estratégico e comercial, não passam de zona de garimpo, e desdenha os veios mais produtivos.

Se é para garantir mais crescimento e criação de empregos, é preciso assegurar acesso aos mercados que de fato contam. Desse ponto de vista, os dois acordos comerciais estratégicos deveriam ser a Alca e o negociado entre Mercosul e União Européia. "Para nós, o Mercosul não é um fim em si mesmo, mas uma fase de integração com uma validade temporária que deve ser superada pela Alca, que inclui também o Mercosul", advertiu Gianetti da Fonseca, em pronunciamento transcrito ontem no diário Ambito Financiero, de Buenos Aires. No entanto, a atual política do Itamaraty está mais interessada na amarração ideológica e geopolítica, que supostamente dará ao Brasil a liderança do bloco, e não na maior participação do Brasil e do Mercosul no mercado internacional.

No ano passado, por exemplo, as negociações do acordo do Mercosul com a União Européia fracassaram porque a Argentina não quis aceitar importações de 50 mil veículos que o Brasil se comprometera a absorver. Em vez de peitar a intransigência do governo Kirchner, o Itamaraty engoliu a exigência.

Os argentinos entendem que sua indústria não tem competitividade para enfrentar um mercado mais livre. Por isso, querem que o Brasil espere até que isso aconteça. Ocorre que não há sinais de modernização nem de investimento da indústria argentina. Ninguém sabe quando terá condições de comprometer-se com um comércio mais franco.

O Mercosul é uma quadriga desigual cuja velocidade é determinada pelo cavalo mais lento, que é a Argentina. Trata-se de uma união aduaneira (ainda incipiente), bloco que se caracteriza pela exigência de uma política de comércio exterior comum. A corrente majoritária da indústria brasileira já entendeu que não se trata de enquadrar os argentinos, mas de desatrelar temporariamente o Brasil desse carro para que possa fechar acordos em separado e, dessa maneira, aproveitar as oportunidades comerciais hoje disponíveis.

Essa não é a única condição para aumento da participação do Brasil no comércio mundial. Mas pode ser uma das mais importantes.

ming@estado.com.br